sábado, 3 de novembro de 2012

Estórias de uma viagem tipo, que ficará na história - 1

Malpica do Tejo - a caminho

 Procuram-se maduros que detestem estas coisas de caminhar e que estejam absolutamente indisponíveis para colaborar seja naquilo que for. De preferência muito, mas mesmo muito ocupados. Segundo um relatório da OCDE, os mais ocupados são os que raramente falham.

Descrição de evento tipo:- Aparecem entre as brumas de inverno, pelas seis e trinta da manhã, na rua chamada do arco do Cego - nada de cegos, mas sim um arco cego – estreito e de péssima entrada na cidade, para os saloios vindos dos lados de Mafra-, sonolentos, raramente bem dispostos, algumas vezes medianamente chatos. Vão entrando contrariados no autopullman de luxo. Antes trasfegaram as malas das viaturas para o porão com a ajuda do Sr. Motorista. Os condutores dos veículos que vão parando em fila, dirigem-se depois para o enorme edifício cinzento para aparcar as suas viaturas. Alguns ingerem a primeira bebida quente do dia no bar da esquina – O Côsco. Outros dispersam fumaças na noite. Todos, quase sempre, indolentes e só superficialmente interessados na viagem. O autocarro arranca. As conversas vão-se diluindo na manhã que desponta e a grande maioria completa o sono interrompido.
Algumas horas depois... a algazarra mistura-se com a urgência de uma ida aos sanitários. Paramos, não paramos? Hoje é direta. Deixamos Castelo Branco a um lado e embrenhamo-nos no parque natural do Alto Tejo. Atravessamos a  ponte sobre o Pônsul, e eis-nos, uns quilómetros mais adiante,  no seio de Malpica do Tejo – terra raiana, de contrabandistas e passadores, de guardas fiscais e pescadores de lampreia. Esperam-nos? Bem podem esperar. A urgência bexigueira faz disparar cada um em sua direção. Alguém, já de volta, desabafa: - Já não aguentava mais, estava mesmo a precisar de um café. Café? Pois!
O guia já desespera. Reunimos o rebanho e lá vamos pelas ruelas, onde ainda se vêm casas despidas de cal, mostrando a pedra de xisto de que são levantadas. Em direção ao Tejo vamos atravessando as gotículas de água que teimam em cair. Chegamos à ribeira, desbravando arbustos, saltando muros, e eis-nos, embevecidos a olhar para as covinhas. Foram trabalhadas à cerca de 5000 anos, ou menos. Nelas, a gordura dos javalis ou a das esbeltas azeitonas, serviria para alimentar a chama ténue que afasta os espíritos da noite. Eu, que não sou tão crente, imagino pastores entediados, esburacando o granito, e meditando com os cordões de pele de cabra velha sobre o sentido estético do lajeado no leito da ribeira. Ainda estamos longe do Tejo, mas por aqui abunda o embude que que esmagado habilmente com um calhau rolado e misturado com o barro produz uma mistura, que colocada no fundo dos rios, entre as lajes, asfixia os peixes e os traz à superfície.Logo, buraquinho de pescador, seriam esta covas. Mas deixo à fértil imaginação daqueles que conseguiram chegar até aqui o uso e desuso de tal quantidade de orifícios.
Seguimos até ao rio. Daqui se avista a barca que entretém turistas e transporta os modernos traficantes de bens, que ora escasseiam ora abundam a ambos lados daquela linha que separa, mas não divide.
Subindo, subindo sempre, voltamos ao povoado. Passamos na ermida plantada no meio da estrada encruzilhada, e rua adentro chegamos à tenda dos comes e bebes. A fome aperta e a confusão instala-se – é feira, é festa, é aldeia em reboliço. As sopas de peixe estão deliciosas e há que repetir, os grelhados nem por isso! O vinho escorre e inunda as gargantas e, embora ainda não se flutue no etéreo, para lá caminhamos. Todos felizes, todos contentes, alguns mais alegres, outros apenas e tão só mais faladores, deixam para trás aquele evento e começam a prepara-se para as curvas.
A estória segue dentro de momentos … pois este que vos escreve, não resiste a tanto balanço!

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