quinta-feira, 3 de junho de 2010

Completamente escarallado - Camino Santiago Etapa 11 - Rabanal del Camino - Ponferrada 33 Km

O dia ameaçava aquecer quando nos despejaram em Rabanal del Camino. Muitos peregrinos que dormitaram aqui pelos albergues ainda não tinham partido. Começamos a subir para a etapa que se presume mais emblemática do caminho, já que supõe chegar à Cruz de Ferro. Por caminhos de terra, atravessando aqui e ali a estrada, lá fomos com os picos dos Montes de León nevados, sob um céu limpo e muito azul. As vacas apascentam por todo o lado e é difícil evitar as bostas, mas o verde intenso que ladeia o trilho compensa. Paramos em Focebadón num albegue um pouco desorganizado onde encontramos o alemão loiro vestido de negro - figura enigmática, que vimos encontrando ao longo do nosso percurso. Também as simpáticas brasileiras por aqui pernoitaram.Hoje o dia não está para muitas conversas. Seguimos a ascensão que se mostra fácil. Vamos subindo suavemente por entre estevas e carvalheiras chapinhando nio que resta das últimas chuvadas. os ciclistas optam pela estrada alcatroada. Por fim, após uma curva mais fechada avistamos a Cruz de Ferro. Assustador. Multidões fazem-se fotografar, um grupo acampa para a merenda. Aproximamo-nos e acrescentamos mais umas pedrinhas ao amontoado de calhaus. O aspecto deste local é tétrico. Penduricalhos de todo o tipo - peúgos, fitas, gorros, botas, papeletas, roupa diversa - ondeaim por todo o lado. Parece que quem aqui chegou já cumpriu. O quê? Não vislumbramos. Afastamos-nos a todo o correr deste local e em breve começamos a descer por um caminho ao lado da estrada, muito bem acondicionado. Os trabalhos de recuperação são aqui muito visíveis e iludem-nos. O pior está para chegar. O calor, a etapa longa, e os raros locais para abastecimento tornam esta etapa a mais dolorosa.Os pés já estão curados, mas os joelhos não vão aguentar tanto declive. Após a cruz de ferro deparamos-nos com mais um casebre bandeirado a servir de Albergue. A água vem de carrinho sabe-se lá de onde. Os alemães estacionam por aqui. Do lado oposto da estrada as latrinas improvisadas revelam mais sobre este paraíso. A única explicação que encontramos é a distância a que fica o próximo apoio - a cerca de 1 hora. O calor aperta. caminhamos pela orla da estrada e algumas vezes pelo alcatrão.Os montes de Leão trazem-nos imagens de frescura. Não vemos aldeia e os caminheiros são escassos. Repentinamente aparecem uns telhados de xisto. Primeiro o cemitério e depois uma ruela ladeada de casas asseadas e arranjadas. As obras concluem-se aqui e ali. será por ser ano Santo ou porque esperam muitos visitantes? Não fosse o esgoto entupido escorrendo para o meio da rua, estaríamos no sítio perfeito para pernoitar. São para aí 14h00 e os Albergues, vários, estão a abarrotar. A aldeia com todas as suas casas de pedra cobertas de telhas de Xisto é realmente encantadora. Acebo assim se chama o local. Continuamos pois não temos tempo a perder. Ainda faltam cerca de 4 horas até ao destino - Ponferrada.
Saímos pela estrada alcatroada, mas, uma centena de metros entramos num caminho em muito mau estado. Pedras pontiagudas, lajes escorregadias, lama, árvores caídas. De tudo um pouco. Um grupo a cavalo é obrigado a voltar para trás. Aqui nem os cavalos passam. Os ciclistas carregam as Bikes ás costas e lá vão progredindo. Este caminho é uma verdadeira penitência. Ziguezagueamos pela encosta e tentamos adivinhar a próxima povoação. Riego de ambrós não tem nada para conta. A última hora até Molinaseca seca vai ser infernal - pedras soltas, caminho de cabras, calor intenso. Tropeçamos uma e outra vez pois os joelhos já se não dobram e levantar os pés torna-se cada vez mais pesaroso. O silêncio é aqui natural. O desejo de chegar a bom porto emudece os nossos passos. Por fim avistamos a estrada, os cavalos, o rio, a ponte. Atravessamos a ponte e entramos em mais uma povoação encantadora - Molinaseca. Será pelo cansaço?

Vinhamos de bico afiado para abancamos na casa Ramón - fechada. Lá nos encaminham para outro bar. Almoçamos muito bem. Estranhamos que os outros comensais se afastem da nossa mesa. Devemos tresandar a bosta de vaca, misturada com suor quente e húmido. Após o café da praxe erguemo-nos e, apesar do calor e do alcatrão a exalar ondas de calor pomo-nos ao caminho.Ainda nos esperam duas horas de sacrifício. Já próximo de Ponferrada cruzamo-nos com desportistas de fim de tarde. Estar-se-ão a preparar para o Caminho? Entramos em Ponferrada. Os sinais são confusos e cruzamos várias vezes a via. por fim chegamos ao castelo dos Templários. Ponferrada tem muitos encantos. Monumentos, praças e ruas limpas. As esplanadas convidam a uma bebida fresca. O rio ameniza o conjunto. Trata-ta-se do famoso rio SIL. O Hotel Arói Ponferrada acolhe-nos. Após um merecido e curto descanso a cidade espera-nos. O caminho faz-se caminhando, e também se faz parando... E visitando, e convivendo. O caminho em si não seria nada sem as suas circunstâncias. Assim se mantenha por muitos séculos.
Cheguei completamente escarallado - diz-se do caminho após chuvadas intensas. Assim me sinto eu.

1 Comments:

Blogger tigusto said...

Quando passei na Cruz de Ferro o nevoeiro e a água neve erãm tão intensos que só vi a dita a meia dúzia de passos dela! Dizem que as vistas, a paisagem dali são lindas mas terei que lá voltar para saber a verdade. Na descida a seguir, quando cheguei a Acebo, entrei num bar que tinha duas salamandras acesas que me descongelaram o corpo já que a alma, essa, teve que ser alimentada com dois valentes conhaques na companhia do Hans que repetia a única coisa em alemão que eu percebia:
-José, Hans kaput!!
Não kaput nada, dizia-lhe eu em alemão com sotaque transmontano!
Mas "kaputou" mesmo e desistiu em Molinaseca, lugar que me deixou boas recordações já que conheci aí a Francesca, a Sarah e o Ricardo e que fomos mais ou menos juntos até Santiago. Chamavam-nos a família tutti frutti por ser um de cada nacionalidade. Amigos na ocasião mas que se mantêm até hoje.
Abraço!

sábado, junho 05, 2010 8:38:00 da manhã  

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