domingo, 2 de maio de 2010

Via Algarviana Day 10 - Barranco do Velho - Cachopo - A mais dura, mais longa e mais molhada

Saímos do Centro de Dia de Barranco do Velho com alguma desistência temporária. O frio marcava a sua presença. Entre pinheiros começamos a montanha russa do dia. Os cursos de água obrigam-nos a contornar o caminho.
O montado continua presente neste percurso de 32 km, embora na parte final vá deixando espaço aos campos de pastorícia de cabras e ovelhas.
Começa a chover intensamente e no nosso sobe e desce chegamos a uma povoação abandonada - Montes Novos.
Dizem-nos que em Parizes nos podemos abrigar da intempérie e solicitar algum apoio para os que não suportam a invernia. É segunda-feira, dia 29 de Março e já andamos nesta Via vai para dez dias - gente marafada, esta!
Alguns pensam desistir.Outros, ansiosos, aceleram o passo em direcção ao próximo abrigo.
Mais uma ribeira a transpor. Esta felizmente tem poldras recentes e podemos passar sem dificuldade.
Mais uma subida, mais uma descida. Completamente encharcados comprovamos que as nossa pele é à prova de chuva. Não fosse o frio que se faz sentir, poderíamos caminhar sem qualquer agasalho.
A chuva começa a cair intensamente quando atingimos mais uma ribeira, ou seria um caminho. Pedras, muitas e soltas. Os calhaus rolados erudidos pelo constante rebolar mostram-se traiçoeiros.O trilho segue pelo leito da ribeira ou será a a ribeira que segue pelo caminho?
Somos apenas cerca de vinte aventureiros e neste troço conseguimos perceber o que é um leito de cheia e o que ele pode provocar em minutos. Os primeiros passam praticamente a seco. O grupo do meio vai tentando contornar os charcos o melhor que pode, pousado um pé nesta pedra, outro naquela poça. Os últimos não têm que se preocupar em escolher caminho seco pois a água é tanta que inundou o espaço entre muros. Deixamos a corrente já em turbilhão e avançamos para mais uma subida íngreme.
Creio que estamos a caminhar há um bom par de horas quando vislumbramos as primeiras casas. Eis Parizes.
Alguém tenta ensaiar um verso:
In these Parizes
No Eiffel Tower i will see
But two beautifull blondes
Are waiting for me
Efectivamente ... Numa casa térrea, escura e fria com um pequeno balcão à nossa direita e umas quantas mesas, cada uma de sua procedência, bem como as cadeiras, conseguimos matar a nossa sede e iludir o  nosso desespero.
O café e o medronho reconfortam os nossos corpos. Mantemos alegre cavaqueira com os dois idosos que regentam o estabelecimento. O Algarve serrano afinal não está deserto e só necessita, que mesmo em dias de chuva, o visitem e o desfrutem uns quantos amantes das coisas autênticas.
Perguntavam-me no outro dia o que nos levava a caminhar por este "deserto", e naquele momento só me veio à memória referir o convívio e a camaradagem das gentes que acompanho. Mas há muito mais ... A autenticidade, a tradição, e claro, a natureza.
Os ingleses referem nos seus projectos de promoção das actividdades de Hiking e Trekking a trilogia dos L:
- Leisure, Learning and Landscape.
Mas o que me parece mais importante salientar aqui, para classificar esta Via Algarviana, é a procura do Autêntico, do Natural e do Tradicional...
Moments Like This Make Via Algarviana Unique...
Tentamos enxugar o melhor que podemos as nossas roupas e retomamos o caminho, agora já sem a companhia da chuva.
No aglomerado seguinte não há bares, nem cafés, nem gente. Algumas casas cuidadas, os terrenos cultivados em volta, duas ou três cabras e uma idosa que cruza o caminho.
Olhamos os nossos mapas e decidimos parar para a merenda no próximo curso de água.
O Sol vai aparecendo entre as nuvens, muito envergonhado, mas pouco a pouco os cumulus e os nimbos vão-se afastando.
Campos de cereal, talvez centeio, começam a fazer-nos companhia. Depois descemos por mais um bosque de sobreiros e já próximo da linha de água, um cruzamento duvidoso, em que as marcas foram levadas pela máquina abre-caminhos, confunde uns quantos que andam à procura de indicadores que não existem. Os mapas salvam-nos.
Acampamos à beira da ribeira. Uns quantos descalçam as botas e mergulham os pés na água gelada, outros deliciam-se com o que resta das merendas. Prometeram-nos um lanche, mas pelas nossas contas ainda está a uma boa hora e meia de caminho.
Mais uma subida, mais um entrocamento duvidoso - os indicadores tinham sido movidos e indicavam o caminho noutra direcção, e alguns perdem-se definitivamente. Voltarão passada uma boa hora.
Na subida encontramos um viajante muito jovem, pareceu-me alemão, que vem caminhando em sentido contrário. Conta-nos que pensava percorrer a Via Algarviana em menos de 14 dias, mas confessa que essa tarefa é impossível. De facto são quase 15h00 e tem dois terços do percurso pela frente umas cinco horas.
Encontra-se desesperado pelo facto de não encontrar um bar onde comer e conta-nos que nos dias anteriores, nas aldeias que atravessou, não encontrou nenhum local aberto à hora da chegada.
Pois, desse mesmo mal queixamos-nos nós. Muita serra, paisagens indescritíveis, mas muito poucos locais para abastecimento e repouso - É dura, muita dura, esta Travessia da Via Algarviana.
Afinal o abastecimento vem ao nosso encontro. Bom para os "perdidos", mau para nós que tivemos que  fazer um par de quilómetros de marcha à ré.
O lanche é espalhado em mantas algarvias debaixo de um telheiro de uma casa fechada no local da malhadinha - mel, pão, doces, queijo. Coisas boas servidas pela já nossa conhecida guia e organizadora de eventos - Otília Cardeira do Moinho de Cachopo. E foi um pouco assim que percorri e terminei, melhor cheguei onde penso voltar a começar ... sempre.
O arco-íris desponta a nascente e parece vir despedir-se dos que, como eu, estamos de partida ...
Via Algarvina                                     VER FOTOS 

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Nunca jamais em tempo algum ouvi uma estória assim. Certamente quem a descreve vai continuar a deliciar-nos com as as suas aventuras.
Bem Haja

domingo, maio 02, 2010 12:44:00 da tarde  
Blogger tigusto said...

Para último dia tiveste dose reforçada. Com muito de tudo, incluindo bom astral, como diriam os brasileiros! Quando se acaba está-se pronto para começar...

segunda-feira, maio 03, 2010 10:41:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Uau Moura...esta descrição é autêntica! Pode parecer um percurso muito dificil, que o é, e o foi ainda mais pela chuva pesada que apanhámos durante horas, mas também é um dos mais bonitos da Via e, para mim, especiais, pois nele estamos em contacto com populações quase isoladas, muitas ribeiras, paisagens espectaculares...com o interior algarvio.

quinta-feira, maio 20, 2010 5:01:00 da tarde  

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