sábado, 15 de maio de 2010

Etapa 4 - Villarmentero de Campos - Calzadilla de la Cueza Vento ciclónico

Saímos cedinho desde recanto de "charme" que é a Casona de D. Petra. Gente simpática que na noite anterior nos avisou para os perigos do caminho. O convite para a Bodega e para a noite de farra no bar local foram gentilmente declinados - vida de peregrino oblige.
O primeiro troço da etapa não mostrou dificuldades de maior, apesar do frio e de algum vento de sudoeste.
O percurso segue paralelo à estrada até Carrión de los Condes. Hoje os peregrinos esfumaram-se. São muito poucos os que avistamos.
Em Carrion abastecemos a tripa para a mais longa e inóspita etapa destas paragens - 18 Km sem pueblos, nem casas, nem bares, nem nada de nada.
Ainda temos tempo para nos assomar ao imponente mosteiro de San Zoilo, transformado em parte em Hospederia e a pedir urgentes reformas.
Após dois quilómetros de alcatrão entramos num caminho de pedra batida - dura e pontiaguda, onde o calçado parece não existir. O céu ameaça chuva em abundância e o vento embora lateral sopra em rajadas muito fortes dificultando e algumas vezes impedindo a progressão. A primeira chuvada lá se aguenta o melhor possível. Aqui, impermeáveis, capas, guarda-chuvas são absolutamente inúteis. Ao abrigo dos portentosos choupos lá aguentamos o primeiro impacto. O vento sopra paralelo ao chão levando tudo na sua frente.Na recta infindável vislumbram-se duas ou três sombras ao longe.Mais rajadas de vento ameaçadoras. Os choupos ameaçam saltar do solo a qualquer momento. Mais uma mancha de um negro assustador avança pela nossa esquerda. Desta vez não escapamos. Ficamos molhados até aos ossos. Se não fosse a temperatura excessivamente baixa seria preferível livrarmos-nos totalmente das nossas roupas. As capas enrolam com a ventania e oferecem o dobro da resistência à medida que nos deslocamos. As valas que ladeiam o caminho apresentam-se cheias de água e não há onde procurar refúgio. Caminhamos há horas e não vemos o fim ao caminho. Um pastor tenta reunir as suas ovelhas e oculta-se das nossas objectivas. Usa uma capa de burel cinza e agita um cajado que prolonga para além do braço as ordens que vai dando ao rebanho.
Numa lagoa temporária um grupo de aves aquáticas permanece imóvel junto aos arbustos. Três peregrinos sentados estoicamente num banco improvisado deliciam-se com as merendas protegidos por imensas capas azuis que parecem implorar aos céus um pouco de clemência. Mais uns quilómetros de deserto. Pela esquerda reúnem-se mais umas nuvens ameaçadoras. Lá ao fundo vislumbram-se uns arbustos e uma linha de choupos. Chegaremos, não chegaremos? Pouco importa. A fome ataca-nos implacável. Antes que o céu desabe sobre as nossas cabeças atingimos os arbustos que ladeiam uma ponte sobre um pequeno percurso de água. Abrigamos-nos debaixo de uma tenda improvisada dois metros abaixo das cearas, juntinho à água e trincamos o pouco que levamos. Duas ou três massas disformes passam no carreiro acima das nossas cabeças. Chove intensamente. Recompostos e após mais uma investida dos elementos retomamos o caminho. Por fim avista-se o topo do que se presume ser uma torre. Os primeiros telhados desenham-se no horizonte. Aproximamos-nos da pequena povoação. Um velho encostado a um cajado improvisa uma pequena fogueira com cartões. A loucura do vento apoderou-se da razão e o homem lamuria impropérios. Seguimos caminho até ao único local onde podemos retemperar forças - o hostal. Entramos no paraíso, exaustos, sujos, rotos, andrajosos, mas ninguém repara em nós - somos apenas mais três. É assim o caminho, construído à volta de pequenos obstáculos que nada significam quando comparados com a complexidade das vidas que o percorrem. Talvez, por isso, o nosso lastimoso estado aparente não provoque a mais mínima reacção aos presentes. Ou será que estas multidões estão apenas cegando para com o próximo e já só vislumbram a luz que se adivinha no fim do CAMINHO? Atenção companheiros. - O caminho não é um fim, mas apenas um meio.

1 Comments:

Blogger tigusto said...

O que não te deitar abaixo vai tornar-te mais forte! Bolas que o tempo não tem dado tréguas! Caminho sem chuva não é Caminho mas costuma dar-lhe forte lá para as bandas da Galicia... devester pago adiantado! Força! Abraço!

domingo, maio 16, 2010 10:53:00 da manhã  

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