terça-feira, 11 de maio de 2010

Caminho de Santiago Etapa 2 - Hornillos - Puente Fitero

Por volta das nove horas iniciámos mais uma etapa. Uma multidão de peregrinos esforça-se numa ligeira subida. Os campos de cereal perdem-se ao longe. Quando alcançamos o ponto mais alto do primeiro troço em direcção a Hontanas, a dispersão já se faz notar.Nada faz prever que numa curva do caminho se descubra, repentinamente a Torre da Igreja e logo depois o casario de casas de adobe. Entramos no primeiro Albergue para tomar o segundo café da manhã. Aqui encontramos alguns companheiros da jornada anterior e um grupo de folgazões que se assumem, definitivamente, como passeantes deste interessante caminho - não como muitos outros. Descemos a rua e descobrimos mais dois Albergues e mais uma Casa Rural. Os alojamentos aqui abundam e valem bem o esforço de mais dez quilómetros desde Hornillos. Com desejos de "bom camino" vamo-nos afastando da multidão. Pergunto ao grupo de gente alegre que veio aqui para se divertir, até onde irão   nesse dia. Respondem-me que até Castrojeriz - uns 10 km mais à frente. Ficando admirado exclamo: - Tão perto!Um deles atira-me com uma frase contundente: - Quieres que el Camino se termine pronto? Claro que não. Penso que são estes os que melhor entendem o espírito da peregrinação. Aqui te perdes e aqui te encontras, sucessivamente, e em múltiplas direcções. O caminho deve ser intemporal. O caminho és tu, os teus condicionalismos, as tuas circunstâncias. O que interessa não é chegar, é ir.
Lastimo aqueles que, obrigados ou não pelas condições, se marcam objectivos rígidos que depois não são aceites pelo corpo e que desesperam e sofrem, desperdiçando energias fundamentais para o equilíbrio da mente na sua relação com o mundo fútil que os rodeia.
Como decia el poeta - Se Hace Camino al Andar ...
O caminho continua cruzando uma estrada e seguindo paralelo em terra batida. Um torre em ruínas lembra-nos que aqui já houve muito mais caminhar.
Já se adivinha Castrojeriz lá ao longe. Estamos agora perante um local, em ruínas e propriedade privada, emblemático do caminho - O Convento e  Hospital de San Antón, fundado por Alfonso VII em 1146. O Real Camino esteve sempre muito ligado à consolidação dos reinos de Castilla e León.
Uma interminável estrada alcatroada conduz-nos a Castrojeriz.
Entramos na povoação que teve origem num castro celta, e que chegou a contar com sete igrejas e inúmeros hospitais.  Prolonga-se por mais de dois quilómetros, e as suas casas em adobe e os seus recantos convidam a uma paragem mais atenta. Certamente o local mais bonito desde Burgos.
Os nossos amigos peregrinos, ás dezenas, esfumam-se pelos Albergues e Casas Rurais. è uma hora da tarde e há que garantir guarida. Também não os vi no almoço suculento que nos serviram no Hostal.
Nós estamos aqui para caminhar, quando e sempre, o espírito nos pedir, ansioso por descobertas mais além, e as pernas nos deixarem. Assim, continuamos ...
Descemos ao vale banhado por um percurso de água farto onde os patos assustados esvoaçam e o canto do Pica-Peixe nos animam a continuar. O caminho esconde-se e deixa-nos expectantes pois uma subida muito íngreme, ao longe, desafia a nossa vontade. Os ciclistas podem contornar o monte pela direita e ir a Matajudios, mas nós, pobres penitentes sem rodas, temos que subir e subir - assim o informa o cartaz.
A subida resultante compensadora pois leva-nos a um miradouro coberto e com bancos com uma vista soberba sobre o vale e Castrojeriz.
Estamos agora num planalto. O frio é cortante e as primeiras lápides vão anunciado a desistência definitiva de uns quantos peregrinos que entregam aqui a sua alma ao além.
Pois claro, agora espera-nos uma descida abrupta. Mas a paisagem é de cortar a respiração. E aquele grito lancinante também! Será algo místico do caminho que nos avisa do aproximar da noite e da tempestade? Ou apenas voz de pássaro? Ou exclamação profunda de alguém que encontrou no seu caminhar solitário a solução para o seu desespero interior? Ninguém à vista.
Pela primeira vez acho o caminho deslumbrante. Caminhamos sós. O horizonte carregado, o verde intenso das searas, a distância indefinida ... Tudo se conjuga deliciosamente num momento de prazer intenso.
Começa a chover copiosamente e não se avista sequer o Puente Fitero.
Mais alcatrão. Por fim uma capela isolada acolhe-nos. Reboça de vida e alegria. Encontramos aqui abrigo e alguns amigos do caminho. Os aromas a espécies envolvem toda a nave. Um simpático Hospitaleiro italiano oferece-me guarida. Estamos no Hospital gerido pela Confraternita di SanGiacomo de Peruggia, instalada numa capela gótica. Um dos locais para pernoitar e jantar mais belos do caminho.
Deslocamos-nos até à ponte mandada construir por Alfonso VI, sobre o rio Pisuerga que dividia outrora os reinos de Castela e Leão.O silêncio do sítio apenas perturbado pelo cantarolar da corrente convida-nos ao retiro. E assim terminamos mais uma etapa.

2 Comments:

Blogger tigusto said...

As etapas muito rigidas são, na minha modesta opinião, um grande inimigo do gozo da coisa! Olhem para elas apenas como indicadores! Dessas poucas respeitei. Uns dias andei mais, uns dias menos mas a média ao fim dos onze dias foi de cerca de 30 Km/dia. Também não tinha mais nada para fazer durante o dia!:-)
Simpático e mais próprio do espírito do Camino esse acolhimento dos italianos.

sábado, maio 15, 2010 3:18:00 da tarde  
Blogger afonso rocha said...

O ESPÍRITO DO CAMINHEIRO...NAS BELÍSSIMAS PALAVRAS DO HUMANISTA TIGUSTO. NEM MAIS.DIZ ELE:
"Aqui te perdes e aqui te encontras, sucessivamente, e em múltiplas direcções. O caminho deve ser intemporal. O caminho és tu, os teus condicionalismos, as tuas circunstâncias. O que interessa não é chegar, é ir.
Lastimo aqueles que, obrigados ou não pelas condições, se marcam objectivos rígidos que depois não são aceites pelo corpo e que desesperam e sofrem, desperdiçando energias fundamentais para o equilíbrio da mente na sua relação com o mundo fútil que os rodeia."

Continua...a caminhar e a escrever...até que as mãos e os pés te doam, amigo!
Abração

sexta-feira, junho 04, 2010 1:31:00 da manhã  

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