segunda-feira, 8 de março de 2010

Macieira de Alcoba

Chuvas torrenciais caem incessantemente sobre o manto terrestre. 
Oitenta intrépidos cavaleiros das brumas cavalgam sobre campos rasgados por mil fios de água. 
O musgo verde, verde intenso, amortece os passos e e enche o espaço de silêncios.
Estamos em Macieira de Alcoba, umas quantas curvas desde A-dos-Ferreiros, e após passar Préstimo, eis-nos envoltos em inverno, contraídos entre muros de pedra.
O caminho abre-se entre casas velhas e as poucas pessoas que avistamos, também elas carregadas de anos, pasmam ao ver-nos.
Subimos à capela pelo meio das árvores. Alguma casa muito bem recuperada, talvez um turismo rurral.
Os carvalhos adormecidos projectam sombras imaginárias rasgadas pelos farrapos de névoa.
Os verdes multiplicam-se e desenham belos contrastes entre troncos ainda despidos de folhas.
Montículos de folhado aguardam o momento de serem devorados na manjedoura pelas vacas pachorrentas que agora povoam os campos fartos.
Milhentas folhas recortadas atapetam o chão aconchegando as sementes prestes a rebentar neste humus fumegante.
Não fosse a estrada alcatroada que agora atravessamos, e algumas encostas pejadas de eucaliptos, poderíamos reviver qualquer época longínqua, quando os carros puxados por bois rangiam nas pedras do caminho.
Chegamos à terra do milagre - Urgueira. As casas de pedra, os espigueiros, revelam um património arquitectónico que importa preservar.
Estamos em plena Serra do Caramulo e avistamos o Caramulinho pejado de enorme moinhos de vento.
Uma capela construída em granito aparelhado,  muito cuidada, ocupa o cruzamento dos estreitos arruamentos deste sítio.
Chegamos ao terreiro onde tem lugar a multidinária romaria em pleno Agosto, que esteve suspensa durante 90 longos anos.
Escondido entre os pinheiros lá no ponto mais alto está o imponente forno comunitário, que durante 7 noites e 7 dias, engolia estevas, chamiços, giestas, até alcançar a temperatura adequada ao cozimento dos pães de centeio e milho. Milagre ou não, o que é certo é que daqui se avistam as areias das praias da Costa Nova.
Subimos ao miradouro encavalitado em blocos de granito mastodônticos. O vento gelado trespassa-nos as roupas e afugenta-nos rapidamente de tão bela paragem. Aqui, os nossos olhos alcançam o mar e perdem-se na turbulência das sua águas.
Contornamos o terreiro e começamos a descer. Não sabemos se se trata de um trilho ou do leito da ribeira, tanta é a água que nos cerca. As pedras apresenta-se escorregadias e traiçoeiras, algumas quedas confirmam-no.Este é o troço mais bonito de todo o percurso.
Já a dimensão do forno milagreiro nos mostrava a riqueza destes campos. Aqui os inúmeros moinhos de água em ruínas atestam-no.
O caminho muito irregular conduz-nos ao ribeiro que fertiliza as terras das Hortas Velhas. Mais casas em ruínas.
Reparo numa casa tradicional muito degradada, mais ainda de pé, cujo pátio foi ocupado por uma imponente (pelo tamanho, apenas) casa-maison. O que poderá levar esta gente a trocar a sua casa tradicional, de granito, eterna, por um casebre pintado? Os mestres - pouco artistas em recuperar o velho? O gosto duvidoso de outras terras? A comodidade? Não, apenas o facto de nos recusarmos a voltar a viver num espaço que associamos aos anos de vida penosa.
Macieira de Alcoba ainda nos vai surpreender com a sua antiga e acolhedora escola. O mestre não prega agora as letras, nem os alunos trauteiam a taboada. A piçarra gigante anuncia as preciosidades culinárias que os curiosos convivas aqui podem encontrar - cabritinho, chanfana, torresmos, broa, arroz doce, etc.
Deixamos estas terras fartos (cheios) - de paisagem, de viveres e de comeres, e com ganas de voltar sempre.
Dali a Águeda um pulinho para aproveitar a visita guiada à Casa Museu Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro que alberga o acervo da colecção de arte constituída ao longo dos anos e que integra obras de pintura, escultura, cerâmica, mobiliário, pratas, cristais e tecidos. Uma mini Gulbenkian como alguém mencionou.
À noite terminámos em beleza com fados de Coimbra na voz de Victor Almeida e Silva acompanhado por viola e guitarra. Soberbos!
Macieira de Alcoba
PR4 sempre bem marcado
Forno - Urgueira
Mirador. Daqui vê-se o mar
De volta a Macieira de Alcoba. Piscina natural
Bedford! À espreita!
Na escola. Agora restaurante.
Casa Museu Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro
Pateira de Fermentelos
Fados de Coimbra, voz de Victor Almeida e Silva

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Será que herdaste a veia do Miguel Torga ?

Manel.P

terça-feira, março 09, 2010 5:12:00 da tarde  
Blogger Santareias said...

Oh Torga!
Outorga
Oh Torga!
Outorga

Gritou o Manel
Extasiado

Ao ver a escrita
Deste escriba
Que aqui escreve
De forma tão erudita

Qual literatura de cordel
Esta critica bendita
Vem do meu amigo Manel!

terça-feira, março 09, 2010 9:31:00 da tarde  
Blogger tigusto said...

Melros à vista?!!

quarta-feira, março 10, 2010 11:02:00 da tarde  
Blogger Ana Patrícia Marques said...

Olá!

Adorei o seu blog.

Posso "roubar-lhe" algumas fotos para por no meu blog (devidamente identificadas, claro)?

Muito obrigada.

Ana Patrícia Marques

quarta-feira, abril 14, 2010 5:00:00 da tarde  

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