quinta-feira, 27 de maio de 2010

Caminho Santiago Etapa 10 - Astorga - Rabanal del camino

Sair de Astorga resulta complicado e desagradável. Ao lado da estrada e passando viadutos. Escolhemos passar por Castrillo de Polvarazes - caminho alternativo que implica seguir pela estrada, mas que vale a pena.
Castrilho é monumento histórico artístico e apresenta casas de pedra e alguns solares brasonados. Tem também a vantagem de ter vários alojamentos de qualidade e de ser a capital do cocido maragato.Depois vem santa Catalina de Somoza. Os tramos correm ao longo da estrada por caminhos e veredas de terra. Depois pelo caminho real acedemos a um local emblemático do caminho - o castanheiro do peregrino. Em breve chegamos a Rabanal del Camino. A curiosidade desta etapa é que começamos a ascender desde Murias e sem dar-nos conta passamos de 800 e pico metros para cerca de 1100, anunciando-se o culminar de um dos pontos mais altos no caminho.

Caminho Santiago Etapa 9 - Villavante - Astorga

Depois da decepção que foi o percurso do dia anterior, sempre ao lado da estrada nacional, decidimos optar pela via alternativa a partir de Villavente.
Aqui nos trajo el destino
Andando por el camino
Donde en un viejo molino
Da abrigo al pelegrino
E aí começámos, cruzando um canal de cheia que irriga as terras muito férteis do Páramo leonés.Logo um caminho de terra mal empedrado leva-nos em direcção a Hospital de Órbigo. Além das povoações que cruzamos com nomes como camino ou real, também as que ostentam na sua designação Hospital se identificam plenamente com o caminho e nele tiveram origem.
Os Hospitais de peregrinos, que hoje ainda se vêm por muitos sítios, davam guarida aos romeiros que cruzavam o caminho - aqui lhes davam abrigo, comida, tratamento e apoio.
Site curioso e com muita informação sobre a história do caminho.
A imponente ponte medieval, originariamente romana, convida-nos a entrar em Hospital de Órbigo. Um bando de andorinhas sobrevoa a ponte como que a saudar-nos. Circulamos pela rua principal donde partem pequenas ruelas. Passamos em vários albergues, visitamos a Igreja onde encontro um S. Marcos e um Santo António tal como na minha aldeia, passamos no albergue de Karl Leisner onde conhecemos um hospitaleiro português.
Depois optamos pela via alternativa, à saída da cidade, para nos distanciarmos definitivamente da famigerada estrada. Paisagísticamente a escolha é acertada, mas o percurso vai custar-nos um esforço adicional, pois tem muitas subidas e descidas.Depois de passarmos por duas aldeias interessantes subimos por um carreiro enlameado, que cruza por campos de cultivo verdes, onde abundam as aves, que amenizam a nossa progressão.
Parece que por fim a paisagem começa a mudar. Subimos por uma encosta suave ladeada de vinhas, depois campos de cereais e mais além um bosque de carvalhos e azinheiras. Começa a chover, mas pouco. Um grupo abriga-se sob as árvores e improvisa o seu piquenique - qual déjeuner sur l´herbe (resulta que o grupo era oriundo de frança, mas não conhecia o Monet).
Mais um sobe e desce e parece que em dezoito quilómetros os locais de apoio seriam iguais a zero. Nisto aparece um abarracamento onde um espanhol empreendedor monta um escaparate, bem provido de café, chá, fruta e até uma tarte quente acabadinha de preparar. E tudo isto à borla, quer dizer - deixa o que quiseres. Ainda temos tempo para confraternizar com alguns irmãos brasileiros e trautear " O Rio de Janeiro continua lindo ..." e a famigerada versão do chico " Foi bonita a festa pá...". Seguimos caminho com os picos nevados à vista - que iríamos atravessar nos próximos dias, e já a adivinhar as torres da Catedral de Astorga. Mas o caminho é longo e ainda vamos levar cerca de 1h30. Circulamos agora pela estrada, atravessamos uma ponte sobre o rio Tuerto, cruzamos a linha por um viaduto que para alcançar altura nos demora quase 10 minutos. Subimos e subimos até entrarmos em Astorga - a Asturica Augusta dos romanos.Deambulamos pelas ruelas e praças e abancamos para mais uma garvanzada. salvou-se o churrasco.
Estamos em plena Maragatería, onde a origem das gentes se perde nos tempos e as suas tradições impressionam quem por aqui passa. O "cocido maragato" está por todas as partes, e claro, nele não falta o grão.
Visitamos a catedral gótica, e ala que se faz tarde, vamos de volta para o Molino do Galochas.

Caminho Santiago Etapa 8 León - Santa Maria del Camino

Sair de León a caminho de Santiago é um verdadeiro suplício. Após deambular pela cidade e visitar a Catedral, o Hotel de S. Marcos, o bairro Húmedo mas sobretudo o conjunto românico de Santo Isidoro, ficamos com uma imagem negativa ao circularmos quilómetros por bairros dormitório com urbanizações de gosto duvidoso.
Não satisfeitos com essa enormidade fazem-nos passar por viadutos e túneis para alcançar o caminho mais adiante.Mas, ainda pior, o caminho segue paralelo à estrada e, nas localidades, pelo passeio junto à rodovia.
Valerá a pena fazer este percurso com todos os obstáculos que apresenta. Não, não vale!
Mas só muito mais tarde o irei descobrir. Por exemplo sabem que os espanhóis só começam a trabalhar lá para as dez horas? Sim , até às nove e trinta não há pão nos bares das redondezas, nem nas aldeias, nos burgos, nas cidades. Justificação antes dessa hora só os tolos dos peregrinos querem bocadillos! Porque não se contentam com um café e algo de bolleria? Toma lá madalenas e aguenta-te por mais dez ou doze quilómetros. No entanto deixo aqui ressalvado que os ditos espanhóis produzem bem mais do que qualquer português.
Viadutos após e já com mais de uma hora de caminho, o trajecto subdivide-se em dois. Um mais urbano e junto à estrada - dizem, e outro mais rural e portanto bucólico. Mais tarde saberemos que qualquer doa trajectos não tem o mínimo interesse.
A única curiosidade é que conheci um italiano madeireiro há muitos anos radicado na Alemanha, que palmilhava 40 a 50 quilómetros diários. Não me disse o porquê mas elogiou o caminho, as paisagens, os albergues e a água potável. Sem complexos lá seguiu com os seus quase setenta anos.
Entramos em Villadangos del Páramo e estamos em presença da maior colónia de corvos que jamais havíamos visto. Centenas ou ainda mais, fazem ninho nos choupos do rio que cruza mais uma terra do caminho.
Paramos para almoço num mesón carreteiro. Mais um menú a euro e picos, quase dez. Só que já começa a cansar tanto grão, salada mista, caldo, merluza, churrasco e filete.
Andamos mais duas horas e paramos em San Martín del Camino. Durante a semana, sempre nas vias principais é fácil apanhar o autocarro para a cidade mais próxima onde a oferta de alojamento é melhor e mais competitiva. De qualquer das formas convém reservar com antecedência.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Caminho Santiago Etapa 7 – Mansilla das Mulas – León - Chuva a Cântaros

Ainda as 8h00 batiam nos sinos da Igreja e já davamos voltas para encontrar a saída. O tempo apresentava-se coberto e apenas uma chuva miúda nos intimidava. Com a experiência dos dias anteriores e o desejo de aliviar a carga deixámos os impermeáveis em local seguro - ao abrigo da água, claro.
Passamos  a ponte medieval e começa a chover a cântaros. O rio vai crescido de águas e augura um mau prenúncio. Os terrenos mostram-se encharcados e a lama é uma constante. O caminho segue paralelo à nacional e de vez em quando temos que introduzir-nos no carril de rodagem.
Quando chegamos à primeira povoação e após passarmos uma ponte onde mal cabem duas viaturas lado a lado, estamos completamente encharcados. Abrigamo-nos no primeiro bar e ingerimos bebidas quentes. Como de molhados não passamos fazemo-nos de novo ao caminho.
Ao atravessar a estrada, mais uma vez, deparamo-nos com as obras da nova autovia. O caminho transforma-se em ribeira e agora as botas metem água. Besuntados de lama por todos os sítios chegamos a mais uma aldeia. Não paramos.
Hoje os peregrinos são em menor número. Um aqui, outro além. Vemos um japonês que entra num autocarro. É justo. Com este tempo o melhor é recolher à base.
Quando ns aproximamos de León começa o inferno dos cruzamentos pelas autovias e nacionais. Defenitivamente a aproximação e travessia das grandes urbes não estão pensadas para caminheiros – podiam colocar mini autocarros para nos transportar ao centro!Certamente Santiago iria compreender.
Após cerca de quatro horas à chuva chegamos ao destino. Cruzamos a cidade à procura de um local para comer. Muitos sítios estão fechados e os restantes apresentam uma desolação gritante. Com este tempo quem pensa em sair à rua?
O resto do dia e a noite far-se-à de bar em bar, de igreja em igreja, saltando pocinhas.Para esquecer.

Etapa 6 – Via Romana - Calzada de los peregrinos Calzadilla de los Hermanillos – Mansilla de las Mulas

Como a opção do Real Caminho Francês se  tinha mostrado decepcionanteno dia anterior, decidimos reiniciar o caminho em Calzadilla de los Hermanillos.
O que nos esperava resultaria na etapa mais dura até ao momento. Vinte e três quilómetros de deserto, primeiro por estrada alcatroada, logo ao longo do caminho de ferro, depois ao lado dos enormes canais de rega. Felizmente o tempo estava ameno, embora ameaçando chuva a todo o momento.
A calzada reputada de romana, referida como via Trajana, mostra-se atapetada de calhaus rolados, já disformes, pelo que os peregrinos vagueiam de um lado ao outro da via, invadindo os campos de cultivo procurando solo mais suave e direito.
As povoações ficam a quilómetros de distância - Burgo Ranero, por exemplo, e ninguém se atreve a palmilhar esta via. Apenas nos cruzámos com três ou quatro ciclistas, vindos não sabemos donde.
Imensos campos semeados ou em fase de tratamento para o cultivo da beterraba.  No finasl algumas vinhas. E imensos canais de rega, que nos últimos cinco quilómetros nos acompanham, ladeando o caminho. Corvos, águias e pouco mais.
Já próximo do fim topamos com operários apostados em vedar um monte de pedras e depois mais outra vedação envolvendo mais um espaço enigmático. Com a construção do grande canal e a tentativa de eliminar esta opção do caminho, estão apostados em criar áreas de lazer, tentando persevar o pouco que resta da via Trajana.
Numa mesa providencial, construída com pés de granito e com uma laje de xisto como tampo, repartimos os parcos alimentos que ainda nos restam. A água também se esvai. O presídio, lá ao longe, coberto de nuvens negras anuncia-nos que estamos chegando à civilização. Mais quatro quilómetros e começamos a entrar em Mansilla das Mulas. Um hotel de meninas anuncia um farto menu por nove euros – mas não caímos na tentação, embora a fome fosse muita. Entramos por uma das portas, ainda intacta, das muralhas que rodeiam o burgo – Puerta de La Concepcion, e a poucos metros encontramos a nossa Albergaria.
Mansilla está cheia de passado e em tempos ainda recentes  era um entreposto muito importante no acesso a Leon, pois guarda a passagem sobre o rio Esla que nasce nos Picos da Europa. As  ruas mostram-se muito cuidadas, alguns troços da muralha do séc. XII ainda são visíveis, e nas suas duas praças as casas com arcadas rodeiam amplos largos. A Igreja de San Martin, do séc. XIII, também é uma jóia arquitectónica, com vestígios da arte mudéjar.
Após o almoço tardio descansamos neste remanso de paz. Não se vê vivalma. O frio é intenso. Os peregrinos, ás dezenas, que escolheram o caminho Real ao longo da estrada nacional estão recolhidos nos seus Albergues. A partir das 7h00 da tarde saiem dos seus covis e ocupam todos os recantos onde servem menus por 8 a 10 euros. É o repasto dos vencidos do caminho.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Caminho de Santiago - Etapa 5 a SAHAGUN

De Calzadilla de la Cueza, partem caminhos vários. uns pelo bosque, outros pela estrada fora. Vamos pela estrada. A etapa não parece dura e o cantar das aves anima a andadura. Um bosque de carvalhos esconde os passariformes que aqui se reúnem à s centenas. afinal o caminho do bosque vai cruzar o nosso caminho mais adiante. Quatro franceses brotam repentinamente dos arbustos e ficam a tagarelar à nossa passagem. As almas que nos vinham acompanhado desde o início desaparecem das nossas vidas. Já não reconhecemos ninguém. O pequeno almoço necessita reforço mas o primeiro albergue apesar de ostentar o letreiro de aberto encontra-se em limpezas.
É habitual os Albergues estarem fechados até às doze horas. Como nas povoações que cruzamos não existem mais opções para abastecimento o resultado pode representar quilómetros de esforço complementar. Portanto levem sempre merenda para umas cinco horas de caminhada.
Por fim lá encontramos um albergue que nos dá guarida e alimento.
Encontramos um peregrino alemão com quem nos cruzámos dias antes, mas a amabilidade espantosa do cidadão em dia de solidão parece ter-se esfumado.
Bocadillos y café fazem as nossas delícias e seguimos caminho. Sempre ao longo da estrada que atravessa campos de cereal, como em quase em toda a viagem desde Burgos, mas já sem a beleza dos primeiros dias, chegamos aos arrabaldes de Sahagún.
Uma capela românica em restauro um pouco antes de chegar a Sahagún merece um repouso demorado antes de entrar na caótica cidade.
Após uma refeição no Mesón mesmo em frente ao imponente albergue situado numa Igreja, decidimos fazer mais uns quilómetros.
Saímos de sahagun pela ponte setecentista e por uma alameda de choupos até ao cruzamento onde os caminhos se dividem em duas alternativas. Continuamos pelo mais urbano, que segue junto a uma estrada. A escolha foi decepcionante pois o caminho atravessa as obras do TGV cá da terra e obriga-nos a constantes desvios sem qualquer encanto. Apressamos o paço e após umas duas horas chegamos a Bercianos del Real Camino.
Hoje foi fácil. O alojamento é condigno e lançamo-nos à procura de alimento.
Esta terra apresenta-se triste e desolada. São raros os bares abertos e ainda mais raras as pessoas que os frequentam. Talvez os quatro graus de temperatura expliquem este fenómeno. Ou será a crise?
Por fim encontramos um local quase deserto que nos serve um jantarinho.

sábado, 15 de maio de 2010

Etapa 4 - Villarmentero de Campos - Calzadilla de la Cueza Vento ciclónico

Saímos cedinho desde recanto de "charme" que é a Casona de D. Petra. Gente simpática que na noite anterior nos avisou para os perigos do caminho. O convite para a Bodega e para a noite de farra no bar local foram gentilmente declinados - vida de peregrino oblige.
O primeiro troço da etapa não mostrou dificuldades de maior, apesar do frio e de algum vento de sudoeste.
O percurso segue paralelo à estrada até Carrión de los Condes. Hoje os peregrinos esfumaram-se. São muito poucos os que avistamos.
Em Carrion abastecemos a tripa para a mais longa e inóspita etapa destas paragens - 18 Km sem pueblos, nem casas, nem bares, nem nada de nada.
Ainda temos tempo para nos assomar ao imponente mosteiro de San Zoilo, transformado em parte em Hospederia e a pedir urgentes reformas.
Após dois quilómetros de alcatrão entramos num caminho de pedra batida - dura e pontiaguda, onde o calçado parece não existir. O céu ameaça chuva em abundância e o vento embora lateral sopra em rajadas muito fortes dificultando e algumas vezes impedindo a progressão. A primeira chuvada lá se aguenta o melhor possível. Aqui, impermeáveis, capas, guarda-chuvas são absolutamente inúteis. Ao abrigo dos portentosos choupos lá aguentamos o primeiro impacto. O vento sopra paralelo ao chão levando tudo na sua frente.Na recta infindável vislumbram-se duas ou três sombras ao longe.Mais rajadas de vento ameaçadoras. Os choupos ameaçam saltar do solo a qualquer momento. Mais uma mancha de um negro assustador avança pela nossa esquerda. Desta vez não escapamos. Ficamos molhados até aos ossos. Se não fosse a temperatura excessivamente baixa seria preferível livrarmos-nos totalmente das nossas roupas. As capas enrolam com a ventania e oferecem o dobro da resistência à medida que nos deslocamos. As valas que ladeiam o caminho apresentam-se cheias de água e não há onde procurar refúgio. Caminhamos há horas e não vemos o fim ao caminho. Um pastor tenta reunir as suas ovelhas e oculta-se das nossas objectivas. Usa uma capa de burel cinza e agita um cajado que prolonga para além do braço as ordens que vai dando ao rebanho.
Numa lagoa temporária um grupo de aves aquáticas permanece imóvel junto aos arbustos. Três peregrinos sentados estoicamente num banco improvisado deliciam-se com as merendas protegidos por imensas capas azuis que parecem implorar aos céus um pouco de clemência. Mais uns quilómetros de deserto. Pela esquerda reúnem-se mais umas nuvens ameaçadoras. Lá ao fundo vislumbram-se uns arbustos e uma linha de choupos. Chegaremos, não chegaremos? Pouco importa. A fome ataca-nos implacável. Antes que o céu desabe sobre as nossas cabeças atingimos os arbustos que ladeiam uma ponte sobre um pequeno percurso de água. Abrigamos-nos debaixo de uma tenda improvisada dois metros abaixo das cearas, juntinho à água e trincamos o pouco que levamos. Duas ou três massas disformes passam no carreiro acima das nossas cabeças. Chove intensamente. Recompostos e após mais uma investida dos elementos retomamos o caminho. Por fim avista-se o topo do que se presume ser uma torre. Os primeiros telhados desenham-se no horizonte. Aproximamos-nos da pequena povoação. Um velho encostado a um cajado improvisa uma pequena fogueira com cartões. A loucura do vento apoderou-se da razão e o homem lamuria impropérios. Seguimos caminho até ao único local onde podemos retemperar forças - o hostal. Entramos no paraíso, exaustos, sujos, rotos, andrajosos, mas ninguém repara em nós - somos apenas mais três. É assim o caminho, construído à volta de pequenos obstáculos que nada significam quando comparados com a complexidade das vidas que o percorrem. Talvez, por isso, o nosso lastimoso estado aparente não provoque a mais mínima reacção aos presentes. Ou será que estas multidões estão apenas cegando para com o próximo e já só vislumbram a luz que se adivinha no fim do CAMINHO? Atenção companheiros. - O caminho não é um fim, mas apenas um meio.

Etapa 3 - Itero de la Vega - Villarmentero de Campos - A sirga, o canal de Castilla y a Capela românica de Frómista

Saímos pela ponte que cruza o Rio Pisuerga. Em Itero de la Vega não vimos vivalma. Seriam quase 9 horas.  Caminhos de terra entre campos de cereal – verde a perder de vista. A dureza deste percurso traduziu-se num vento intenso que nos dificultava a progressão. O frio continua a lembrar-nos o ano extraordinário que atravessamos  - chuva e neve em meados de Maio.
A primeira paragem fazê-lo em Boadilla del Camino num Albergue muito bem acondicionado,  onde o bom gosto se  estende também pelos inúmeros quadros representando naturezas mortas. No jardim as alfaias agrícolas decoram todos os recantos. Até temos um muro recuperado em taipa – mistura de palha e barro.
É  grato encontramos nestes pequenos aglomerados muitas casas recuperadas com os materiais de antes. Além da beleza e da defesa da tradição, certamente suportarão melhor as temperaturas extremas, tanto no verão como no Inverno.
O canal de Castilla realizado entre meados do sec. XVIII e meados do séc. XIX, vai agora acompanharmos durante quilómetros.  Inicialmente usado para escoar os cereais dos campos castelhanos, foi depois adaptada para irrigar os cultivos.
Caminhamos pelo muro de sirga do canal. Os animais puxavam as barcaças desde o caminho que corria paralelo ao curso de àgua. Dezenas de eclusas permitiam salvar os desníveis.
O momento alto do dia de hoje será a visita a Fromista. Ao deixarmos o canal topamos com um troço que apresenta ainda quatro eclusas e a casa das máquinas.
Chegamos a Fromista e dirigimos-nos para a Igreja de San Martin, para uma visita incontornável. Temos aqui uma jóia do Românico espanhol.  A recuperação foi perfeita e merece uma visita demorada e atenta. Ainda existem outras duas Igrejas que merecem ser admiradas.
Almoçámos e continuámos a nossa marcha por um caminho que ladeia a estrada. Em Población de Campos deixámos a estrada e escolhemos um caminho que corre paralelo ao rio Ucerza. Ninguém nos segue e o trilho parece estar abandonado. Efectivamente! Arvores caídas, caminho coberto de erva, entulho trazido pela enxurrada. Começa a chover copiosamente. Apenas as milhentas aves que povoam os arrabaldes do rio nos alegram a passagem. Bandos de pombos bravos, rouxinóis, pica-peixe, até uma garça cinzenta esvoaça sobre nós. Por fim chegamos à Casona Dona Petra, onde nos esperam os nossos anfitriões e uma catrefa de jornalistas jovens. 

terça-feira, 11 de maio de 2010

Caminho de Santiago Etapa 2 - Hornillos - Puente Fitero

Por volta das nove horas iniciámos mais uma etapa. Uma multidão de peregrinos esforça-se numa ligeira subida. Os campos de cereal perdem-se ao longe. Quando alcançamos o ponto mais alto do primeiro troço em direcção a Hontanas, a dispersão já se faz notar.Nada faz prever que numa curva do caminho se descubra, repentinamente a Torre da Igreja e logo depois o casario de casas de adobe. Entramos no primeiro Albergue para tomar o segundo café da manhã. Aqui encontramos alguns companheiros da jornada anterior e um grupo de folgazões que se assumem, definitivamente, como passeantes deste interessante caminho - não como muitos outros. Descemos a rua e descobrimos mais dois Albergues e mais uma Casa Rural. Os alojamentos aqui abundam e valem bem o esforço de mais dez quilómetros desde Hornillos. Com desejos de "bom camino" vamo-nos afastando da multidão. Pergunto ao grupo de gente alegre que veio aqui para se divertir, até onde irão   nesse dia. Respondem-me que até Castrojeriz - uns 10 km mais à frente. Ficando admirado exclamo: - Tão perto!Um deles atira-me com uma frase contundente: - Quieres que el Camino se termine pronto? Claro que não. Penso que são estes os que melhor entendem o espírito da peregrinação. Aqui te perdes e aqui te encontras, sucessivamente, e em múltiplas direcções. O caminho deve ser intemporal. O caminho és tu, os teus condicionalismos, as tuas circunstâncias. O que interessa não é chegar, é ir.
Lastimo aqueles que, obrigados ou não pelas condições, se marcam objectivos rígidos que depois não são aceites pelo corpo e que desesperam e sofrem, desperdiçando energias fundamentais para o equilíbrio da mente na sua relação com o mundo fútil que os rodeia.
Como decia el poeta - Se Hace Camino al Andar ...
O caminho continua cruzando uma estrada e seguindo paralelo em terra batida. Um torre em ruínas lembra-nos que aqui já houve muito mais caminhar.
Já se adivinha Castrojeriz lá ao longe. Estamos agora perante um local, em ruínas e propriedade privada, emblemático do caminho - O Convento e  Hospital de San Antón, fundado por Alfonso VII em 1146. O Real Camino esteve sempre muito ligado à consolidação dos reinos de Castilla e León.
Uma interminável estrada alcatroada conduz-nos a Castrojeriz.
Entramos na povoação que teve origem num castro celta, e que chegou a contar com sete igrejas e inúmeros hospitais.  Prolonga-se por mais de dois quilómetros, e as suas casas em adobe e os seus recantos convidam a uma paragem mais atenta. Certamente o local mais bonito desde Burgos.
Os nossos amigos peregrinos, ás dezenas, esfumam-se pelos Albergues e Casas Rurais. è uma hora da tarde e há que garantir guarida. Também não os vi no almoço suculento que nos serviram no Hostal.
Nós estamos aqui para caminhar, quando e sempre, o espírito nos pedir, ansioso por descobertas mais além, e as pernas nos deixarem. Assim, continuamos ...
Descemos ao vale banhado por um percurso de água farto onde os patos assustados esvoaçam e o canto do Pica-Peixe nos animam a continuar. O caminho esconde-se e deixa-nos expectantes pois uma subida muito íngreme, ao longe, desafia a nossa vontade. Os ciclistas podem contornar o monte pela direita e ir a Matajudios, mas nós, pobres penitentes sem rodas, temos que subir e subir - assim o informa o cartaz.
A subida resultante compensadora pois leva-nos a um miradouro coberto e com bancos com uma vista soberba sobre o vale e Castrojeriz.
Estamos agora num planalto. O frio é cortante e as primeiras lápides vão anunciado a desistência definitiva de uns quantos peregrinos que entregam aqui a sua alma ao além.
Pois claro, agora espera-nos uma descida abrupta. Mas a paisagem é de cortar a respiração. E aquele grito lancinante também! Será algo místico do caminho que nos avisa do aproximar da noite e da tempestade? Ou apenas voz de pássaro? Ou exclamação profunda de alguém que encontrou no seu caminhar solitário a solução para o seu desespero interior? Ninguém à vista.
Pela primeira vez acho o caminho deslumbrante. Caminhamos sós. O horizonte carregado, o verde intenso das searas, a distância indefinida ... Tudo se conjuga deliciosamente num momento de prazer intenso.
Começa a chover copiosamente e não se avista sequer o Puente Fitero.
Mais alcatrão. Por fim uma capela isolada acolhe-nos. Reboça de vida e alegria. Encontramos aqui abrigo e alguns amigos do caminho. Os aromas a espécies envolvem toda a nave. Um simpático Hospitaleiro italiano oferece-me guarida. Estamos no Hospital gerido pela Confraternita di SanGiacomo de Peruggia, instalada numa capela gótica. Um dos locais para pernoitar e jantar mais belos do caminho.
Deslocamos-nos até à ponte mandada construir por Alfonso VI, sobre o rio Pisuerga que dividia outrora os reinos de Castela e Leão.O silêncio do sítio apenas perturbado pelo cantarolar da corrente convida-nos ao retiro. E assim terminamos mais uma etapa.

domingo, 9 de maio de 2010

Caminho de Santiago Etapa 1 Burgos – Hornillos del Camino

Muitas povoações se chamam do Caminho, pois cresceram e sobreviveram à volta dele. Algo se deve a Alfonso VI e a sua filha Urraca.
Com 4 graus pela noite e agora apenas 6, saímos do Hotel  Maria Luísa, em direcção ao Albergue Municipal  - Casa do Cubo, para, retomando a Calle Fernan González por trás da Catedral, sairmos pela Arco de San Martín, entroncandode novo no Caminho Francês de Santiago.
Credenciais e carimbos nem vê-los, só depois das 12 Horas se tem acesso aos Albergues e as visitas começam pleas 10H00 da manhã.
Assim, lá fomos à aventura na certeza de que os Hospitaleros, não nos acudariam.
Primeiro contacto um par de brasileiras de S. Paulo – pelo caminho encontramos muitos cidadãos português hablantes, mas portugueses nem vê-los.
Passamos pela Universidade, instalada no antigo Hospital del Rey, fundado por Alfonso VIII, que visitamos. Instalações fabulosas erguem-se à volta do convento das Huelgas e do citado hospital.
Por caminhos rodeados de habitações novas chegamos aos canais do rio Almanzor com o presídio à vista. Um pescador de truta debruça-se sobre a água lançado a amostra contra a corrente. Também já nos tinhamos cruzado com um ou outro pescador de almas. Em Burgos há  muitos. No caminho não tantos.
Em curvas e contracurvas o caminho desenvolve-se tentando evitar as novas vias de comunicação.
Atravessamos, mais uma vez, o rio Arlanzón, e após quilómetros de alcatrão, entramos nos campos semeados de cereal a perder de vista. Primeiro Tardajos e logo Rabé de las Calzadas.
Pelo caminho sucedem-se as nacionalidades – poucos espanhóis, convergindo todos num lacónico “Buen Camino” à nossa passagem. Entabulamos conversa com uma canadiana simpática e de mente aberta e repassamos as últimas novidades escritas sobre o mesmo, passando pelo incontornável e “místico” Paulo Coelho.
Cruzamo-nos com dezenas de caminheiros e ficamos um pouco apreensivos. Onde irão tão apressados?
O facto é que, se não chegares ao Albergue às 12 ou 13 horas, é melhor ires abancar noutra freguesia – dez quilómetros volvidos.
Comecei a ficar triste. Então é isto a peregrinação? É isto e pior.
Após quatro horas de andadura entramos, 21 km percorridos, em Hornillos del Camino. Começamos a aperceber-nos que todos os alojamentos estão completos. A alternativa é fazer mais uma dezena de quilómetros ou solicitar um transporte – casualmente até poderá ser um Táxi, para ir pernoitar noutro lugar – desde que esteja fora do caminho e das etapas do mesmo.
A  Hospitaleira de sertiço no Albergue Municipal confidencia-nos que está perante uma situação incontrolável e que, na noite anterior , mais de uma vintena de “peregrinos” tiveram que pernoitar no Ginásio. O turismo de massas que procura o muito barato está aqui em força. Pudera! Dormidas a 7 euros e com direito a banho …
Regressamos a Burgos e percebemos que com o preço do transporte poderíamos viajar até Paris em autocarro.
O importante, hoje, era conseguir a Credencial que nos abrirá as portas dos Albergues e nos permite usufruir de descontos nas visitas e nas refeições.
Ainda tivemos tempo para visitar a Catedral, e descobrir , no meio de tanta capela, o escudo de Portugal – não fosse Afonso VI nosso avô de estimação

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Caminho francês Santiago - Etapa 0, 4 graus a 5 de Maio - Que frio!

Depois de uma viagem de 700 km em viatura, passando por um suculento almoço em Sardón del Duero - callos, fabes, patatas con setas, conejo estufado y albôndigas - chegámos a BURGOS.
O melhor do dia - De Valladodid a Aranda del Duero, por Penafiel, bordeando o Rio Douro, sucedem-se hectares de viña a perder de vista. As "Bodegas y Pagos" com edifícios muito belos convidam a passar aqui uma temporada - Vega Sicília, Viña Mayor, Protos y muitas otras que não me recordo agora, modernas y antigas.
Burgos recebeu-nos com temperaturas extremas, em Maio. Deambulámos pelas ruas e logo que o comércio encerrou , pelas 20h00, tivemos o privilégio de visitar a Catedral e as ruas envolventes sem uma única pessoa a estorvar. Impressionante! Conheço Burgos há cerca de 35 anos e nunca tinha descoberto que não passa de uma qualquer cidade de província, onde, quando o frio aperta, as ruas ficam desertas.
Com uma luz impressionante a banhar os picos das torres da catedral, dando um colorido único à pedra  caliça, um céu plúmbeo a ameaçar desabar sobre as nossas cabeças e umas gotículas de água neve a marcar presença, o espectáculo foi apenas para uns poucos, incluindo estes três aventureiros.
Tempo ainda para entrar nalguns bares apinhados de locais buscando num copo de vinho o aconchego que a roupa de Primavera não traz. E agora vou dormir ainda mais feliz depois de ver o portuga da Madeira fazer um Hat-Trick. 

terça-feira, 4 de maio de 2010

Caminho Francês de Santiago - Burgos Santiago de Compostela

Amanhã pela manhã vou sair em direcção a Burgos. Após a Via Algarviana já andei por muitos sítios mas a velocidade da escrita não acompanha o vôo das pernas. Estive em Segovia onde andei pouco, pois a neve superou as expectativas. Na Serra de S. Mamede subi do Reguengo à Serra e andei por Alegrete, vi a cacholeira e os tapetes, dormi na Sintra do alentejo, em Castelo de Vide - ou será David. Visitei a Herdade dos Muachos e os queijos da Monforqueijo.
No fim-de-semana passado subi e desci à Fórnea e vi o Chão das Pias, na Serra de Aires em Alcaria.
Essas crónicas ficam para qualquer dia.
Como vou partir e senti necessidades que não consegui satisfazer na net, deixo aqui uns links, sobre autocarros e sobre o caminho, para outros aproveitarem :

Autocarros



Ourense http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/galicia/orense.html

Ourense http://www.monbus.es/horarios/origen.php

Lugo http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/galicia/lugo.html

Coruña http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/galicia/la-coruna.html

Burgos http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/castilla-y-leon/burgos.html

Palencia http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/castilla-y-leon/palencia-2.html

Leon http://www.horario-autobuses.com/horarios-autobuses/castilla-y-leon/leon.html

Lisboa-Chaves http://www.rodonorte.pt/#

Lisboa Chaves A24

http://www.santosviagensturismo.pt/

Sobre o caminho e seus serviços e etapas ----


http://www.caminosantiago.org/cpperegrino/federacion/inicio.asp

http://www.caminhodesantiago.com/

http://www.mundicamino.com/rutas.cfm?id=15

http://www.xacotrans.com/XACOTRANS/SERVICIO_XACOTRANS.html

http://www.godesalco.com/









domingo, 2 de maio de 2010

Via Algarviana - Coisas que fui esquecendo ...

Os bons momentos passados na Via Algarviana despertam-me a curiosidade para mais e melhor.
Assim sendo, todos os meus amigos me podem convidar para participar noutros eventos. Desde que não sejam muito longos, não tenham muitas subidas, nem descidas, que tenham muitos pontos de apoio - jamais esquecerei aqueles mexilhões da costa norte oferecidos pelo Barbas do Raio Azul em Barão de S. João, nem os espargos com ovos mexidos que quase não provei.
Sobretudo quero agradecer à Almargem a excelente organização e desejar que nunca mais pare este fluxo de curiosos que desafiam os quase 300 km que vão de Alcoutim a Sagres. Para mim está sendo uma surpresa a quantidade de gente que foi, está, ou vai fazer a VIA.
NOTAS FINAIS
Alojamento:Ao longo do percurso e em etapas organizadas pela Almargem, as colectividades, as escolas, os centros de dia, as autarquias - não referi que a jovem e dinâmica Presidente da Junta de Freguesia de Marmelete esteve em amena cavaqueira connosco no jantar, os meus parabéns - dão o seu apoio para alojar grupos até 20 participantes.
Há que tornar este apoio mais efectivo e dar-lhe um caracter permanente, a troco de umas moedas.
Uma referência são os Centros de Descoberta do Mundo Rural, promovidas pela autarquia de Tavira e a associação Inloco, na freguesia de Cachopo - perguntem no Moinho Do Cachopo pela D. OTília Cardeira.
Do informal passemos ao formal. Ao longo do percurso existem unidades hoteleiras que constam do guia sobre a Via Algarviana, que ficam no trajecto da Via ou a pouca distância.. Eu, e alguns amigos, fomos ficando alojados - em Barranco do Velho num turismo rural lindíssimo, muito rural,  Rota da Esteva  , em Alte no Hotel de Alte, em Silves no Hotel Colina dos Mouros, em Monchique na Estalagem Abrigo da Montanha, em Sagres no Hotel Memmo Baleeira - a ver o sol nascer no mar(?). 
Aconselho-os a que façam o percurso no sentido Alcoutim - Cabo de S. Vicente.
Refeições:Além dos petiscos que vos forem propondo nas tabernas e bares do percurso, jantem fartamente comida serrana, tradicional, como a Açorda de Galo, o cozido de Grão, o ensopado de Enguias - em Guerreiros do Rio, o Xarém, o Borrego assado e de caldeirada, o cachaço de porco assado e os enchidos e as papas de milho em Monchique, os perceves em Vila do Bispo, os cogumelos - cantarelos e trompetas - em Sarnadas (Alte).
Apenas o grão se repetiu para além do desejável.
Das bebidas referência para os vinhos de Lagoa, para o Medronho em Monchique e no Barranco do Velho, e a melosa, exclusiva de Monchique
Percurso: Duro, longo, para gente que gosta de andar e desfrutar de espaços a perder de vista - é um desafio, e como tal deve ser encarado. Podem percorrer a Via em mais dias, podem ficar a perdidos durante horas naqueles sítios únicos e podem, quase sempre, pedir um táxi e regressar ao incómodo e triste lazer no sofá das vossas casas.
Paisagem: Começando pelo Rio Grande, três vezes rio - Rio Guadiana, passando pelas serranias algarvias, montado do Barranco, formações cársicas, pomares e hortas do Barrocal Algarvio, mais Serranias de estevas, as alturas da Picota e da Fóia, e enfim o Mar, o do Sul e o do Norte no Parque Natural do Sudoeste e Costa Vicentina - Aljezur e Sagres.
Núcleos urbanos: Demorem-se nos pequenos núcleos de casas - os lugares, as Cortes, falem com os locais, gastem, comprem, façam-nos sentir parte da solução e não se apresentem como mais um problema - a desertificação começa em cada um de nós.
Vila do Bispo, Barão de S. João, Bensafrim, Marmelete, Monchique, Silves - aqui demorem-se, e apreciem o que ainda resta de um local quem vem do tempo dos Fenícios, passando por romanos, árabes, bereberes, francos, e ainda tenta resistir aos povos nórdicos - Messines, Alte - aldeia cheia de pequenos encantos, entrem em Benafim, Salir, Barranco do Velho, Cachopo, Vaqueiros, Furnazinhas, Alcoutim.
Desçam o rio de barco até Vila Real de Santo António e voltem, voltem sempre ...

Via Algarviana Day 10 - Barranco do Velho - Cachopo - A mais dura, mais longa e mais molhada

Saímos do Centro de Dia de Barranco do Velho com alguma desistência temporária. O frio marcava a sua presença. Entre pinheiros começamos a montanha russa do dia. Os cursos de água obrigam-nos a contornar o caminho.
O montado continua presente neste percurso de 32 km, embora na parte final vá deixando espaço aos campos de pastorícia de cabras e ovelhas.
Começa a chover intensamente e no nosso sobe e desce chegamos a uma povoação abandonada - Montes Novos.
Dizem-nos que em Parizes nos podemos abrigar da intempérie e solicitar algum apoio para os que não suportam a invernia. É segunda-feira, dia 29 de Março e já andamos nesta Via vai para dez dias - gente marafada, esta!
Alguns pensam desistir.Outros, ansiosos, aceleram o passo em direcção ao próximo abrigo.
Mais uma ribeira a transpor. Esta felizmente tem poldras recentes e podemos passar sem dificuldade.
Mais uma subida, mais uma descida. Completamente encharcados comprovamos que as nossa pele é à prova de chuva. Não fosse o frio que se faz sentir, poderíamos caminhar sem qualquer agasalho.
A chuva começa a cair intensamente quando atingimos mais uma ribeira, ou seria um caminho. Pedras, muitas e soltas. Os calhaus rolados erudidos pelo constante rebolar mostram-se traiçoeiros.O trilho segue pelo leito da ribeira ou será a a ribeira que segue pelo caminho?
Somos apenas cerca de vinte aventureiros e neste troço conseguimos perceber o que é um leito de cheia e o que ele pode provocar em minutos. Os primeiros passam praticamente a seco. O grupo do meio vai tentando contornar os charcos o melhor que pode, pousado um pé nesta pedra, outro naquela poça. Os últimos não têm que se preocupar em escolher caminho seco pois a água é tanta que inundou o espaço entre muros. Deixamos a corrente já em turbilhão e avançamos para mais uma subida íngreme.
Creio que estamos a caminhar há um bom par de horas quando vislumbramos as primeiras casas. Eis Parizes.
Alguém tenta ensaiar um verso:
In these Parizes
No Eiffel Tower i will see
But two beautifull blondes
Are waiting for me
Efectivamente ... Numa casa térrea, escura e fria com um pequeno balcão à nossa direita e umas quantas mesas, cada uma de sua procedência, bem como as cadeiras, conseguimos matar a nossa sede e iludir o  nosso desespero.
O café e o medronho reconfortam os nossos corpos. Mantemos alegre cavaqueira com os dois idosos que regentam o estabelecimento. O Algarve serrano afinal não está deserto e só necessita, que mesmo em dias de chuva, o visitem e o desfrutem uns quantos amantes das coisas autênticas.
Perguntavam-me no outro dia o que nos levava a caminhar por este "deserto", e naquele momento só me veio à memória referir o convívio e a camaradagem das gentes que acompanho. Mas há muito mais ... A autenticidade, a tradição, e claro, a natureza.
Os ingleses referem nos seus projectos de promoção das actividdades de Hiking e Trekking a trilogia dos L:
- Leisure, Learning and Landscape.
Mas o que me parece mais importante salientar aqui, para classificar esta Via Algarviana, é a procura do Autêntico, do Natural e do Tradicional...
Moments Like This Make Via Algarviana Unique...
Tentamos enxugar o melhor que podemos as nossas roupas e retomamos o caminho, agora já sem a companhia da chuva.
No aglomerado seguinte não há bares, nem cafés, nem gente. Algumas casas cuidadas, os terrenos cultivados em volta, duas ou três cabras e uma idosa que cruza o caminho.
Olhamos os nossos mapas e decidimos parar para a merenda no próximo curso de água.
O Sol vai aparecendo entre as nuvens, muito envergonhado, mas pouco a pouco os cumulus e os nimbos vão-se afastando.
Campos de cereal, talvez centeio, começam a fazer-nos companhia. Depois descemos por mais um bosque de sobreiros e já próximo da linha de água, um cruzamento duvidoso, em que as marcas foram levadas pela máquina abre-caminhos, confunde uns quantos que andam à procura de indicadores que não existem. Os mapas salvam-nos.
Acampamos à beira da ribeira. Uns quantos descalçam as botas e mergulham os pés na água gelada, outros deliciam-se com o que resta das merendas. Prometeram-nos um lanche, mas pelas nossas contas ainda está a uma boa hora e meia de caminho.
Mais uma subida, mais um entrocamento duvidoso - os indicadores tinham sido movidos e indicavam o caminho noutra direcção, e alguns perdem-se definitivamente. Voltarão passada uma boa hora.
Na subida encontramos um viajante muito jovem, pareceu-me alemão, que vem caminhando em sentido contrário. Conta-nos que pensava percorrer a Via Algarviana em menos de 14 dias, mas confessa que essa tarefa é impossível. De facto são quase 15h00 e tem dois terços do percurso pela frente umas cinco horas.
Encontra-se desesperado pelo facto de não encontrar um bar onde comer e conta-nos que nos dias anteriores, nas aldeias que atravessou, não encontrou nenhum local aberto à hora da chegada.
Pois, desse mesmo mal queixamos-nos nós. Muita serra, paisagens indescritíveis, mas muito poucos locais para abastecimento e repouso - É dura, muita dura, esta Travessia da Via Algarviana.
Afinal o abastecimento vem ao nosso encontro. Bom para os "perdidos", mau para nós que tivemos que  fazer um par de quilómetros de marcha à ré.
O lanche é espalhado em mantas algarvias debaixo de um telheiro de uma casa fechada no local da malhadinha - mel, pão, doces, queijo. Coisas boas servidas pela já nossa conhecida guia e organizadora de eventos - Otília Cardeira do Moinho de Cachopo. E foi um pouco assim que percorri e terminei, melhor cheguei onde penso voltar a começar ... sempre.
O arco-íris desponta a nascente e parece vir despedir-se dos que, como eu, estamos de partida ...
Via Algarvina                                     VER FOTOS 

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